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Divórcio extrajudicial

DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL: DOS REQUISITOS PARA SUA CONSECUÇÃO

Texto escrito por Marcela Gregorio Barreto

mgregbarreto@gmail.com

O presente artigo delimitou-se em explorar os atuais requisitos para a consecução do divórcio extrajudicial, possibilidade concebida pelo ordenamento brasileiro a partir do advento da Lei n° 11.441/07. Pretendeu-se, com isso, indicar e aclarar as referidas exigências, bem como ampliar o debate com o apontamento de propostas de alteração já em curso nas Casas Legislativas, utilizando-se como metodologia a pesquisa descritiva e a análise bibliográfica e
documental.

INTRODUÇÃO
Diante da vasta influência religiosa exercida sobre os mais diversos campos da sociedade brasileira, é possível afirmar que o casamento sempre foi tido como uma espécie de união sagrada, e sua dissolução, em especial por intermédio do divórcio, como um assunto delicado e que tardiamente restou renovado, em razão da mentalidade “antidivorcista” antes predominante. Segundo Dias (2015, p. 202 apud TEPEDINO, 1999, p. 202), o rompimento da sociedade marital “afigurava-se como um esfalecimento da própria família”, o que justifica o caráter conservador da regulação sobre o tema.

Para saber mais, Com quem fica a casa se o casal se divorciar?

Inclusive, a autora bem evoca o fato de que, à época de edição do Código Civil anterior ao vigente (referente ao ano de 1916), o enlace juramentado era considerado indissolúvel, e a única possibilidade legal de rompê-lo seria através do chamado desquite, que não o dissolvia propriamente. Assim, permanecia intacto o vínculo conjugal, que possuía o condão de impedir novo casamento, mas não possíveis novos arranjos familiares, “pois cessavam-se os deveres
de fidelidade de manutenção da vida em comum sob o mesmo teto” (DIAS, 2015, p. 202), remanescendo, no entanto, a obrigação de mútua assistência, vínculo esse que só poderia ser extinto em caso de morte.

Ainda que o instituto do divórcio tenha sido admitido posteriormente, observou-se uma série de entraves impostos durante seu processo de consolidação no ordenamento. Foi somente em 2010, com a Emenda Constitucional n° 66/2010, ao alterar o § 6º do art. 226 da Constituição, que o referido paradigma conjugal se viu superado, e afastou-se qualquer critério temporal e condicional para a dissolução, com o banimento do instituto da separação civil.
Assim, de acordo com a legislação vigente, o divórcio possui como efeito a cessação dos efeitos civis do matrimônio, e uma outra novidade teria sido incluída anteriormente com o advento da Lei n° 11.441/07: a possibilidade de sua consecução por via extrajudicial, para fins de celeridade ao procedimento, cujos contornos serão aqui discriminados.

Neste sentido, uma pesquisa voltada para esclarecer os requisitos do divórcio extrajudicial, sendo esse o objetivo central da presente, guarda o potencial de facilitação do acesso e compreensão das normas jurídicas atinentes ao tema aos cidadãos, razão pela qual é demonstrada sua relevância social. Quanto à natureza dos objetivos formulados, a pesquisa pode ser classificada como descritiva, sendo utilizadas como técnicas a pesquisa bibliográfica e a análise documental para sua exploração.

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Cabe destacar que o lapso temporal preponderantemente considerado para fins de análise abarca as últimas duas décadas, especialmente a partir da vigência do Código Civil de 2002, sendo ainda relevante mencionar que a pesquisa possui caráter unidisciplinar, uma vez que abarcará os elementos próprios compreendidos no âmbito do Direito das Famílias.

1 DOS REQUISITOS DO PROCEDIMENTO
Conforme já tratado anteriormente, o divórcio é tido como uma das causas do término da sociedade conjugal (art. 1.571, IV, CC), além de possuir o condão de dissolver o casamento (art. 1.571, § 1°, CC) , e refletir na alteração do estado civil dos cônjuges, que de casados, passam a ser divorciados. É de se mencionar ainda que a “morte de um dos ex-cônjuges não altera o estado civil do sobrevivente, que continua sendo divorciado, não adquirindo a condição de viúvo” (DIAS, 2015, p. 2019).

Como aduzem Farias e Rosenvald (2016, p. 424), a possibilidade de divórcio consensual em cartório, dada pela Lei n° 11.441/07, buscou uma racionalização das atividades processuais, bem como a simplificação da vida jurídica dos cidadãos brasileiros, independente de procedimento judicial. Em outras palavras, procurou-se, com a novidade, atender ao movimento nascente da desjudicialização dos conflitos e desburocratização dos serviços públicos no território brasileiro.

No presente tópico, diante desse introito, buscar-se-á apresentar os requisitos para a dissolução do casamento via divórcio extrajudicial.
De início, podemos sintetizar que os requisitos para tanto são cinco, quis sejam:

a) inexistência de litígio entre as partes, com manifestação da vontade em não mais manter o casamento;

b) de forma geral, ausência de filhos menores não emancipados ou incapazes do casal, bem como inexistência de gravidez da mulher, ou declaração de desconhecimento acerca desta circunstância;

c) assistência das partes por advogado, que pode inclusive ser comum;

d) escritura lavrada em tabelionato de notas; e) documentos necessários.

Quanto ao primeiro requisito, vale elucidar que, havendo consenso entre o casal, mostra-se totalmente indispensável, sob o ponto de vida da Administração Pública, a chancela do juiz perante a dissolução pretendida. Quanto ao segundo requisito, menciona-se que, embora, de forma geral, e de acordo com as normas legais, seja requerido que o uso da via extrajudicial seja acionado somente quando não envolverem filhos menores e/capazes, muitas Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados têm admitido o divórcio extrajudicial ainda que haja menores ou incapazes, desde que não havendo envolvimento de seus interesses indisponíveis. Ou, ainda que esses existam, que os mesmos estejam solvidos judicialmente de
forma prévia. Conforme informa Dias (2015, p. 231):

Concede, a lei, a possibilidade do uso da via registral ” não havendo filhos menores ou incapazes”, o que sugere que a existência deles não autorizaria o divórcio administrativo. Esta não é a conclusão sustentada por boa parte da doutrina, que afirma, com toda razão, a possibilidade da dissolução do vínculo conjugal por pública escritura, contanto que não envolva interesses indisponíveis, ou seja, dos filhos enquanto menores ou incapazes.60 Assim, solvidas judicialmente as questões referentes à convivência e aos alimentos, não existe óbice para que o fim do casamento seja chancelado de forma extrajudicial. De qualquer forma, levado a efeito o divórcio , mesmo afrontando o que diz a lei , não há como reconhecer a nulidade ou anulabilidade da escritura, com o retorno das partes à condição de casadas. O que cabe é reconhecer a ineficácia das disposições referentes a temas que refogem à dissolução do casamento, como as questões referentes à prole.

Não é o caso do Estado de Minas Gerais, cuja Corregedoria-Geral de Justiça já pronunciou provimentos na qual especificou-se a obrigatoriedade de comprovação da ausência de filhos menores não emancipados ou incapazes do casal, bem como a situação de gravidez retro mencionada, como requisitos para validar o divórcio extrajudicial (CORREGEDORIA, 2020). Essa é, inclusive, a posição esboçada pelo Código de Processo Civil, cujo art. 755 informa que “o divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731” (BRASIL, 2015).

No que se refere ao terceiro requisito, em razão da natureza negocial da extinção matrimonial, é requerida a representação de um procurador com poderes específicos para o ato. No tangente ao quarto requisito, explica-se que os cônjuges podem escolher o Cartório de Notas livremente, sem estarem vinculados obrigatoriamente ao tabelionato onde realizou-se o casamento civil. Por fim, quanto aos documentos necessários, o Poder Judiciário do Estado de
Minas Gerais informa serem os seguintes:

Art. 236. Para a lavratura da escritura pública de divórcio consensual, deverão ser apresentados e arquivados, além dos documentos previstos nos arts. 187 e 191 deste Provimento Conjunto, se for o caso, também os seguintes: I – certidão de casamento expedida há no máximo 90 (noventa) dias; II – documento de identidade oficial e número do CPF das partes; III – pacto antenupcial e seu registro imobiliário, se houver; IV – certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver; V – certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; VI – documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver (CORREGEDORIA, 2020).

Pois bem, esclarecidos as exigências para consecução da dissolução do casamento por via extrajudicial, constata-se o cumprimento do objetivo central do presente artigo. Cabe dizer ainda que o mesmo procedimento extrajudicial, diante dos requisitos ora expostos, também é garantido à dissolução de uniões estáveis. A seguir, serão noticiadas algumas propostas de alteração das referidas exigências, com a finalidade de tornar ainda mais atual o debate que
aqui se propõe.

2 PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO
Conforme visto anteriormente, o Código de Processo Civil, bem como as Corregedorias Gerais de Justiça de alguns estados vinculam a admissão do divórcio
extrajudicial à comprovação de que o casal não tenha filho incapaz ou nascituro. Além disso, exige-se que haja consenso total entre as partes em proceder com a averbação do divórcio.
Ocorre que existem alguns projetos de lei, atualmente em tramitação perante a Câmara dos Deputados e o Senado, respectivamente, que propõe alterações na legislação civil especialmente no que tange aos requisitos retro mencionados. Quanto ao primeiro, informa-se que o Projeto de Lei 731/21, apresentada pelo deputado Kim Kataguiri (DEM/SP), pretende possibilitar que o divórcio, a separação e a dissolução de união estável possam ser feitos extrajudicialmente ainda que o casal possua filhos incapazes ou nascituro. Neste caso, a minuta da escritura deverá ser lavrada com a disposição sobre guarda e alimentos e submetida à apreciação do Ministério Público. E neste sentido, Em concordância com os termos do acordo do casal, o MP autorizará a lavratura, que será título hábil para qualquer registro, sem homologação judicial. O promotor de Justiça poderá fazer exigências de adaptação do acordo de modo a dar a sua concordância e, justificadamente, negar-se a dar assentimento, caso em que o divórcio só poderá ser feito judicialmente (PROJETO, 2021).

Já no que se refere ao segundo requisito citado, sintetizado pela exigência de consenso, há que se mencionar o Projeto de Lei n. 3.457/2019, proposto pelo Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), o qual busca permitir que um dos cônjuges requeiram a averbação de divórcio no cartório de registro civil mesmo que o outro cônjuge não concorde com a separação. E assim sendo, ainda que ambos os projetos encontrem-se na fase inicial de tramitação, aguardando análise nas Comissões das respectivas Casas, fato é que os requisitos hoje demandados para a consecução do divórcio extrajudicial não necessariamente são perpétuos, em razão das propostas de alteração que atualmente tramitam no Poder Legislativo e a constante busca pelo aprofundamento da desburocratização estatal.

CONCLUSÕES FINAIS
Conforme expôs-se ao longo deste artigo, temos que a possibilidade do uso da via registral para demandas de dissolução de casamentos consolidou-se gradativamente no ordenamento jurídico, contando hoje com menos condicionantes que à época de sua inclusão com o advento da Lei n° 11.441/07.
Trata-se, ainda, de um tema cujos requisitos para sua consecução podem ser tidos como controvertidos no âmbito da prática e da doutrina, havendo regramentos diferenciados aos estabelecidos em lei por órgãos judiciários de alguns estados brasileiros.

Evidencia-se, com isso, o caráter mutável do direito, em face das demandas sociais observadas em cada época, que, no caso que se analisa, refere-se à busca pelo desafogamento das varas de família e facilitação da solução dos conflitos, mantendo-se a proteção dada às crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato 2015-2018/ 2015/lei/ l13105.htm>. Acesso em: 12 out. 2021.
CORREGEDORIA DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Provimento n. 93/2020. 2020. Disponível em: <http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/cpr02602013. pdf>. Acesso em: 12 out. 2021.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 9 ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.
PROJETO de lei possibilita divórcio extrajudicial de casais com filhos. IBDFAM. 5 mar. 2021
Disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/8230/Projeto+de+lei+possibilita+div%C3%B3 rcio+extrajudicial+de+casais+com+filhos+incapazes>. Acesso em: 12 out. 2021.

 

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