A posse tem lugar no mundo fático e não somente no jurídico, de modo que se revela como uma condição fática de exercício de um dos poderes inerentes à propriedade.
A legislação brasileira se limita a conceituar o possuidor ao invés de trazer o conceito de posse. Segundo o artigo 1.196 do Código Civil:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Pela leitura do dispositivo legal, a posse de um bem pode ser transferida para outra pessoa, caracterizando a possibilidade de a posse ser desdobrada em direta e indireta. Por exemplo, em um contrato de locação, as duas partes envolvidas serão possuidoras do bem imóvel, (ambas têm a posse do imóvel: uma tem a posse direta e a outra a posse indireta) mas o locatário é possuidor direto – posse direta, já que tem a coisa em si; e o locador proprietário é possuidor indireto- posse indireta, pelos direitos que decorrem do domínio.
Já a figura do detentor não pode ser confundido com o possuidor, pois o instituto da detenção se diferencia do instituto da posse, de acordo com o artigo 1.198 do Código Civil:
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Para Maria Helena Diniz, o detentor ou fâmulo da posse, ou também denominado gestor da posse, tem a coisa apenas em virtude de uma situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação. A lei ressalva não ser possuidor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens e instruções. Um exemplo de detenção da coisa é o caseiro que cuida de certa propriedade. Conforme julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre o tema:
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – POSSE PRECÁRIA – FÂMULO DA POSSE – INEXISTÊNCIA DE EXERCÍCIO POSSESSÓRIO – AÇÃO PROCEDENTE –
É cediço que o exercício precário da posse sobre bem imóvel, resultante de ato permissivo do proprietário, que também é possuidor, não induzem posse do beneficiário.
Conforme doutrina, os fâmulos da posse, tais como os caseiros e os administradores da fazenda, possuem mera detenção da coisa e não posse.
(TJMG – Apelação Cível 1.0058.03.014602-9/001, Relator(a): Des.(a) Luciano Pinto , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/10/2009, publicação da súmula em 20/10/2009) (grifo nosso)
Quando ao desdobramento da posse, é admitida juridicamente a conversão da detenção em posse, conforme o Enunciado 301 da IV Jornada de Direito Civil, que estabelece que “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.” Exemplo: se desaparecer o vínculo de dependência de um contrato de trabalho, sendo celebrado expressamente um contrato de locação entre ex-patrão e ex-empregado, não haverá mais mera detenção, mas posse desdobrada em direta e indireta. Vejamos:
APELAÇÃO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – RELAÇÃO LOCATÍCIA – DESDOBRAMENTO DA POSSE – TUTELA DA POSSE DIRETA – INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO – IRRELEVÂNCIA – NECESSIDADE DE AÇÃO DE DESPEJO – INVOCAÇÃO DE DOMÍNIO -IMPERTINÊNCIA.
1 – Alegada a existência de relação locatícia pela parte, verifica-se o reconhecimento de desdobramento da posse, sendo viável ao possuidor direto a tutela de sua posse até mesmo em face do proprietário do imóvel .
2 – O inadimplemento de contrato de locação não possui o condão de descaracterizar a posse do locatário e sua respectiva tutela, cabendo ao locador o manejo de ação de despejo para extinguir a relação locatícia e retomar a posse do imóvel.
3 – A posse consiste em bem jurídico suscetível de tutela autônoma, desvinculada da propriedade, de modo que a alegação de domínio não obsta a reintegração de posse. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.03.136932-5/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes de Oliveira , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/10/2010, publicação da súmula em 16/11/2010) (grifo nosso)
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso em: 25 jun. 2021.
ENUNCIADO nº 301 do CJF, da IV Jornada de Direito Civil. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/293> Acesso em: 25 jun.2021.
SILVA, Andressa Cristine da. Posse e propriedade: diferença entre conceitos do Direito de Propriedade. Disponível em: <https://blog.sajadv.com.br/posse-e-propriedade/> Acesso em: 25 jun.2021.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. 7ª edição. São Paulo: Método, 2017. p. 945-952.
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